Há quem pense que o carnaval é uma festa genuinamente brasileira, desconhecendo-lhe como oriundo de culturas religiosas ancestrais, tais como o são as festas juninas, congadas etc. Os elementos, seres e heróis divinos presentes em alguns enredos são alguns dos sinais da influência dessas culturas. Nas civilizações antigas, segundo consta, o início da primavera era marcado por comemorações recheadas de danças ao redor de fogueiras, quando se utilizava máscaras e adereços com a finalidade de espantar forças negativas que ameaçavam o plantio.

Com a marcada divisão social, como se deu no caso da Grécia e Roma, surgiu a famigerada inversão de papeis como uma forma de escape social, o que nos permite concluir que a Igreja Católica, ainda que involuntariamente, contribuiu para que o evento tivesse as nuances atuais. Com o Cristianismo em plena expansão, a Igreja chegou a proibir tais festejos, não obtendo êxito, o que, posteriormente, levou-a a incorporá-los ao seu calendário eclesial. Passado um tempo, a festa foi antecipada para antes do início da Quaresma – e aqui temos mais um possível sinal da influência da Igreja na festividade –, o que pode haver originado o termo “carnaval”, abreviação de carne levale, que significa "tirar a carne", ou seja, o último dia de se comer carne antes dos 40 dias de jejum da Quaresma. Tomando isso de forma mais metafórica, podemos identificar, inclusive, uma possível justificativa para a sensualidade característica desse festejo. Vale lembrar: estamos falando da Idade Média, ou seja, forte domínio da igreja, repressão e tudo o que isso envolve.

E não devemos nos esquecer de apresentar as razões pelas quais – diferentemente do Dia da Independência, da Proclamação da República, do Natal etc. – o carnaval não dispõe de uma data fixa. Conforme já comentamos no parágrafo anterior, essa folia pagã tem o seu calendário definido em consequência de um sistema de cálculo criado pela própria Igreja Católica, que, primeiro, define a data do domingo de Páscoa, chegando, a partir daí, ao domingo de carnaval, simplesmente contando retroativamente sete domingos, ou 46 dias, para sermos mais precisos.

Mas como a Igreja define o domingo de Páscoa? É simples! Ou quase... Via de regra, a Páscoa ocorre no domingo seguinte à primeira lua cheia depois do dia 21 de março, que, geralmente, marca o início da primavera no Hemisfério Norte (equinócio de primavera). Nesse sentido, a Igreja Católica toma como base projeções sobre a lua feitas no início da Idade Média, que são apenas relativamente próximas do ciclo lunar real. É daí que vem o conceito de "lua cheia eclesiástica", da qual depende a data da Páscoa. É por isso que é um pouco difícil para o cidadão comum calcular por si só a data do Carnaval para os próximos anos, o que demandaria uma consulta às tabelas eclesiásticas confeccionadas a partir das definições do Concílio de Nicéia (325 d.C.). Isso costumava causar muita confusão, sendo solucionado apenas quando entrou em vigor o nosso atual calendário, o chamado calendário gregoriano, criado pelo Papa Gregório XIII (1502-1585). E dá-lhe história e geografia!

O carnaval no Brasil

Como você pode notar, o Carnaval tem toda uma história independente do Brasil, onde chegou apenas no século XVIII, com a migração dos açorianos e portugueses. Inicialmente, o festejo era chamado de entrudo, termo oriundo do latim introitos, que significa "entrada", “introdução”. Nessas celebrações populares, bumbos e tambores percorriam as ruas das cidades, enquanto água, farinha, tinta e ovos eram atirados entre os foliões. Aqui, nós estamos em pleno Brasil Colonial, razão pela qual não deve nos causar estranhamento o fato de o entrudo, que fazia alusão às antigas práticas pagãs romanas, haver sofrido repressão policial e sido proibido por inúmeras vezes. Nesse âmbito, se deu um verdadeiro movimento em prol do banimento do entrudo, dando lugar a um novo modelo de festejo, então criado à imagem e semelhança da elite da época.

É interessante notar que, quando o entrudo foi criminalizado e a elite do Império começou a criar os seus primeiros bailes de carnaval, houve uma tentativa de copiar uma prática comum entre os escravos durante aqueles festejos, mas, ao mesmo tempo, desvinculá-la daquele povo. Referimo-nos aqui à utilização de máscaras. Ao sair pelas ruas jogando farinha e bolinhas de água de cheiro nas pessoas em ocasião do entrudo, os escravos comumente tinham os rostos pintados. Quando o festejo se converteu do popular entrudo para o elitizado carnaval, não mais se pintou a face como os escravos, mas adotou-se as máscaras nos moldes europeus. Todavia, é importante notar que, negando-se ou não as suas origens, o habitual uso de máscaras durante o carnaval remonta às culturas antigas, passando pelo oriente e pelo ocidente, que não raro as adotou para fins religiosos ou mesmo artísticos, como no caso do teatro.


Possibilidades em sala de aula

O carnaval, portanto, faz parte da história não só do Brasil, mas da humanidade, de modo que rememora-lo, conhecendo-lhe a origem e evolução, muito resgata de nossa história. Não obstante, a festividade não raro é ignorada no contexto escolar, no qual, quando muito, reproduzem-se as atividades características da data, mas sem uma contextualização que possibilite aos discentes conhecer-lhe a importância. A abordagem do carnaval em sala de aula é uma excelente oportunidade para se trabalhar diversas culturas, símbolos, circunstâncias históricas e afins. Ademais, a temática do carnaval abre um leque de possibilidades para se discutir a diversidade religiosa em sala de aula, com foco na expressão da religiosidade do povo brasileiro. Ao abordar as diversas influências de culturas pagãs sobre a data comemorativa em questão, o professor pode estender tal discussão, mostrando como tais influências estão presentes em nosso dia a dia, para além do carnaval, e, a partir daí, trabalhar a importância do respeito às crenças alheias.

No que tange aos discentes dos anos finais do Ensino Fundamental e os do Ensino Médio, através da discussão da temática do carnaval, o professor pode trazer à baila problemas sociais a ele relacionados, como a prostituição, as doenças sexualmente transmissíveis (DST's), o trabalho infantil, as drogas, a representação da mulher negra etc. É fortemente recomendado, também, valer-se da oportunidade para levar os discentes a pesquisarem as atividades que, em virtude do festejo, são promovidas na cidade ou mesmo no próprio bairro.

Outra possibilidade é a utilização das marchinhas de carnaval para se discutir preconceitos, sendo relevante, neste caso, não contextualizar a discussão em campos ideológicos, focando apenas os preconceitos expressos nesses versos musicados. Marchinhas como “Cabeleira do Zezé”, “A pipa do vovô”, “Nega maluca”, “O teu cabelo não nega” e afins são um vasto material para o debate sobre racismo, machismo, homofobia, gerontofobia etc. Não se trata aqui de recomendar a não utilização das marchinhas, mas, sim, de conduzir o discente rumo à compreensão do que elas dizem de nós enquanto sociedade. Todavia, o trabalho com as marchinhas não deve, naturalmente, se pautar exclusivamente no dito “politicamente correto”, passando também pela história e importância desse gênero, que data do final do século XIX. Partindo-se daí, pode-se ampliar a discussão, lembrando à turma que nem de longe são as marchinhas o único estilo musical marcadamente preconceituoso.

Outras questões de interesse público podem também ser discutidas nesse âmbito. Há alguns anos, viralizou na internet um vídeo no qual uma polêmica jornalista denunciava os gastos públicos com o carnaval em detrimento da saúde. Questões assim, quando postas em discussão, estimulam os alunos ao debate, sendo que o papel do professor nesse contexto não seria dizer contra ou a favor do festejo, mas avaliá-lo sob diferentes ângulos, discorrendo sobre os gastos públicos com a data, mas também sobre a arrecadação das prefeituras através do turismo. Discussões desse nível possibilitam ao estudante uma visão mais ampla do carnaval e outras datas comemorativas, para além do senso comum.

Viu só? Em poucos parágrafos, passamos pelo ensino religioso, história, filosofia, geografia, sociologia, literatura e até matemática. Gostemos ou não da data comemorativa, ela é marcante em nossa cultura, movimenta milhões pelo país afora e mexe com a cabeça do brasileiro. O fato de não ter data fixa e não raro se dar logo no início do semestre letivo pode, sim, dificultar a preparação de um trabalho mais minucioso. Isso, portanto, exige uma preparação por parte das escolas e professores, e não deve ser motivo para que folia, em seus variados aspectos, fique fora da sala de aula.

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Fonte: sremetropb.blogspot.com.br
Texto: Alex Gabriel da Silva
Imagem capa: freepik.com

 

 

 

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