A educação pressupõe fé na humanidade. Muitos são os que afirmam haver perdido a esperança na espécie humana, mas esses não raro são os mesmos que defendem uma educação de qualidade. Isso se deve ao fato de cada indivíduo trazer consigo a certeza de que cada pessoa guarda em seu interior um grande tesouro, um diamante a ser lapidado pelo processo educacional. Acreditar na educação é acreditar no ser humano, sendo esse o tipo de crença que nunca devemos abandonar, agarrando-nos a ela com unhas e dentes, como quem protege o bem mais precioso.
Trata-se de uma fé que é fortalecida, por exemplo, com acontecimentos como o do dia 14 de julho, quando trinta e cinco estudantes da E.E. Paulo Freire, instalada dentro do Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, receberam o diploma de conclusão do Ensino Médio. Familiares dos formandos, agentes de segurança, servidores e professores marcaram presença no evento, prestigiando os trinta e cinco indivíduos que, havendo ingressado na unidade prisional por razões tão diversas, procuram dar agora um novo às suas vidas pela via da educação.
Em seu emocionado discurso, a Profa. Valdicéia dos Santos Paviône, diretora da escola, agradeceu a toda a equipe de profissionais pelo belo trabalho desenvolvido em um contexto de privação da liberdade, destacando a atuação dos docentes, a quem cabe a árdua tarefa de proporcionar liberdade por meio da educação. Com o devido enfoque na temática da liberdade, a diretora ainda citou o grande educador, pedagogo e filósofo Paulo Freire (1921 – 1997), que dá nome à escola, segundo o qual: “A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre; pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam em comunhão”.
A ideia de “liberdade pela educação” trazida pela diretora em seu discurso, com base no pensamento de Paulo Freire, exalta a liberdade da mente, possível por meio da educação, como uma conquista que deve anteceder a própria liberdade compreendida pela ressocialização, configurando-se, portanto, como uma condição para uma atuação transformadora no mundo. Ainda nesse sentido, bem como fazendo menção à irrefutável lei do retorno, a Profa. Valdicéia encerrou o seu discurso com as seguintes palavras: “Enfrentem as batalhas que virão, lutem e estejam no caminho do bem, se coloquem em prol de uma humanidade mais justa e fraterna, se doem para um mundo melhor. Plantem um futuro próspero, regando-o com amor e dedicação, a fim de colher os frutos de uma vida nova”.
Da filosofia platônica ao pensamento oriental, vemos a ideia de liberdade como uma simples questão de abrir os olhos. Segundo o líder espiritual, filantropo e educador Sathya Sai Baba (1926 – 2011): “A educação deve libertar o homem dos grilhões da covardia, pequenez, cobiça, ódio, estreiteza mental e dos limites do ‘eu’ e o ‘meu’. A verdadeira educação, assim, é aquela que dirige e aconselha a mente e o intelecto do homem na direção da pura felicidade”. E é nesse sentido que o discente Márcio Marcelino Freire, que tem uma pena de 32 anos e seis meses a cumprir, já planeja realizar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para, no ano próximo, ingressar em um curso superior, o que é perfeitamente possível aos residentes da unidade, onde, atualmente, 25 detentos cursam o Ensino Superior a Distância nos cursos de Administração, Ciências Contábeis, Turismo, Logística e Gestão Financeira.
Exultante pela conquista, o formando Márcio chama a atenção para o fato de que não são os erros outrora cometidos que nos definem, mas, sim, as novas escolhas, as tantas outras possibilidades oferecidas pela vida. “A vida é feita de recomeços. Nós que estamos aqui presos por crimes que cometemos no passado não precisamos sair daqui da mesma maneira. Por isso o Estado está nos dando a oportunidade de sairmos daqui ressocializados, e a ressocialização começa na educação. A Educação tem o poder de fazer de nós pessoas melhores através do estudo e da disciplina”. Citando o escritor, historiador, ensaísta e professor escocês Thomas Carlyle (1795 – 1881), o já vencedor Márcio Marcelino discorre sobre a importância do propósito na vida, a despeito das condições em que nos encontremos. “Um homem sem propósito é como um navio sem leme”.
Para o formando Darisson Carlos Ferraz da Silva, a formatura lhe parecia algo inesperado, vistas as condições e as dificuldades encontradas ao longo de quatro anos de estudos. Nesse sentido, o formando toma a sua experiência como base para orientar os seus colegas a não desistirem, visto que, apesar dos muitos desafios ao longo da jornada, a vitória é sempre certa para os que persistem. Na contramão do egocentrismo, Darisson lembra que a felicidade da conquista em questão não se restringe aos formandos, mas também aos seus familiares, para os quais a formatura foi motivo de orgulho, bem como de esperanças renovadas em relação ao futuro dos formandos.
E por falar em liberdade, não deve haver sido por acaso que o escolhido para receber uma homenagem dos alunos foi justamente um professor de Filosofia, conjunto de ideias que defende a liberdade por meio da sabedoria. O Prof. Haidemar Chaves Souza, que há nove anos leciona na unidade, se vale da Filosofia como forma de levar esperança e otimismo por meio de suas aulas, nas quais abusa do lúdico e da criatividade. “Acompanhei-os por muito tempo e, receber essa homenagem, me deixou muito emocionado e realizado. Eu não esperava”.
A Educação é, portanto, mais do que algo meramente relevante. É uma oportunidade! É a possibilidade de resgate do potencial humano mergulhado no interior do homem. Guiados por uma mente aprisionada, os trinta e cinco formandos cometeram ações que os levaram ao Complexo Penitenciário Nelson Hungria. A Educação, no entanto, lhes surgiu como uma oportunidade de libertação dos grilhões que já os prendiam antes mesmo do ingresso na Unidade Prisional. É a Educação que lhes dá a oportunidade de se reconectarem com a sua verdade, que é reta, altruísta e plena de amor pela humanidade. E nós, da SRE Metropolitana B, muito nos orgulhamos dos discentes que se agarraram a tal oportunidade, tomando-a como uma possibilidade de mudança de vida e liberdade, como de fato é. São pessoas que hoje nos orgulham, mas que, amanhã, hão de orgulhar a toda uma sociedade pela sua bela e digna atuação sobre o mundo.
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Texto: Alex Gabriel da Silva
Foto: Comunicação SEAP