[...] tenho só meus sonhos. E assim são eles. [...] pisa-os de manso porque são meus sonhos. (William Butler Yeats)

A escola, como outras instituições sociais, diz respeito às pessoas e às relações que mantêm entre si, o que significa lidar com afeições que transformam sua dinâmica e lhe dão significado. Mas lidar com o Outro, dentro e fora dos muros escolares, remete ao educar-se no sentido de entendê-lo a despeito de suas diferenças, o que requer um trabalho de formação de sujeitos políticos, aqui o político entendido como aquele inserido na pólis.

Certamente, numa sociedade capitalista como a nossa, tal tarefa se nos apresenta algumas vezes complexa, na medida em que as relações que estabelecemos dia a dia com esse Outro se transformam em experiências problemáticas, ou, melhor dizendo, sintomáticas.

Aqui, toma-se de empréstimo o sintoma como categoria freudiana, entendido como uma dissonância, que, não reconhecido ou identificado socialmente, quase sempre se mostra como interdição em nossa teia de relações; uma insuficiência na escuta do Outro, onde quase sempre a comunicação é bloqueada, a palavra, uma cifra.

Mas tal impossibilidade de comunicação pode ser reconfigurada, compreendida, ou seja, criticamente refletida, se nos propomos a (re)pensar a diferença enquanto valor (e não como representação de uma ameaça à nossa identidade). Como sintoma de nosso tempo, este diagnóstico se estende à escola, instância que, refletindo as contradições sociais existentes, dualista em suas finalidades educacionais – por um lado buscando atender às necessidades do mercado e, por outro, educar o aluno para as ciências e humanidades – não pode se descurar de formar seus alunos para a condição de sujeitos pensantes, sem a qual não se pode falar em cidadania.

Guiando-se pelos fundamentos de sua prática, a escola define, portanto, que tipo de cidadão quer formar para esta sociedade. Se quer contribuir para mudanças, o caminho aponta para a formação de sujeitos que tenham o político como questão reflexiva de ação, mas sem a ótica de demandas individualizadas; sujeitos que cuidam de seus pensamentos e de seus conceitos; sujeitos atentos aos jogos de linguagem de discursos legitimados, em torno  dos quais se ancora o que se convencionou chamar de “politicamente correto” – expressão eufemística que reconfigura os efeitos indesejáveis do Real – mas em nada transformando a realidade social que nos cerca.

Se foi dito que formar o educando para o reconhecimento do Outro significa formar atitude de indiferença às diferenças (SAFATLE, 2015), esse procedimento direciona um novo olhar quando se trata de compreender a fragilidade dos grupos sociais historicamente despossuídos, para os quais a violência (simbólica ou não) tem se mostrado virulenta. Esse novo olhar pode ser o primeiro passo para um avanço no sentido de uma luta pelo reconhecimento dos direitos universais, cuja demanda ainda não é datada.

Possivelmente muitos nos convocarão à tolerância como antídoto ao diagnóstico da violência com o Outro. Mas em que sentido formar sujeitos tolerantes para as diferenças culturais (enquanto retratos de diferenças políticas, ocasionadas por uma diferenciação político-econômica) se tratadas como simples modos de vida? Se o político ainda é visto como uma esfera particular de ação, não como um modo histórico-temporal de experiência (BENJAMIN, 2006), é na escola que se aprende que o respeito e a reciprocidade são conceitos que não se sobrelevam no universo da tolerância, o que significa, em outras palavras, que o mundo administrado tem encontrado na culturização da política a solução para a intolerância, quando o necessário ainda está por fazer: reparar os danos pela politização da cultura.
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Referências
BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

SAFATLE, V. Circuito dos Afetos: corpos políticos, desamparo, fim do indivíduo. São Paulo: Cosac Naif, 2015.

Por Arlene Borges da Cunha
Presidente da Comissão Processante da SRE Metropolitana B
Professora da Rede Pública Estadual

 

 

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